terça-feira, 27 de agosto de 2013

sábado, 24 de agosto de 2013

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

condenados à ociosidade

"Nós sabíamos que não haveria nenhum castigo formal. Aconteceu apenas que todos se afastaram de nós. As pessoas daqui da aldeia tanto como o castelo. Mas se notávamos a retirada das pessoas, como não podíamos deixar de notar, já do castelo não notávamos nada. Se não tínhamos notado antes nenhuma assistência do castelo, como havíamos agora de notar uma mudança de atitude? Esta acalmia era o pior. Não era nem de longe a retirada das pessoas, que afinal não se afastavam por nenhuma convicção particular, que talvez não tivessem nada de grave contra nós, o desprezo que hoje sofremos não existia ainda, que reagíamos por medo e que agora esperavam para ver o que acontecia. Também não receávamos ainda a miséria, quem nos devia dinheiro pagou as suas dívidas, as contas foram saldadas com vantagem nossa, quanto a víveres que nos faltassem, éramos ajudados em segredo por parentes, era fácil, estávamos na época das colheitas, mas nós não tínhamos campos e ninguém nos deixava amanhar a terra, pela primeira vez na nossa vida fomos praticamente condenados à ociosidade. E passávamos agora os dias sentados com as janelas fechadas no calor de Julho e Agosto. Nada acontecia. Nenhuma notificação, nenhuma mensagem, nenhuma visita, nada."

                 Franz Kafka, O Castelo, Relógio d´Água Editores, (tr. I.C.S.), 2006, p.195.                         

Eichmann (D: Robert Young)


domingo, 18 de agosto de 2013

há ali qualquer coisa

«Creio que chegas aqui ao ponto decisivo», disse K. «é  precisamente isso. Depois de tudo o que disseste, penso que já vejo com clareza. Barnabas é demasiado novo para este trabalho. Não podemos levar a sério nada do que ele diz. Como chega lá acima cheio de medo, não consegue observar nada, e se o obrigamos a relatar o que viu, obtemos histórias confusas. Não me surpreende. A veneração às autoridades é aqui inata, é-vos incutida ao longo de toda a vida e de diferentes maneiras e por todos os lados, e também vocês colaboram como podem. Não tenho nada a opor; se uma administração dá provas do seu mérito, porque não há-de ser venerada? Mas não se pode enviar de repente ao castelo um rapaz inexperiente como Barnabas, que nunca saiu da aldeia, e depois exigir dele relatos fiéis à verdade e examinar cada uma das suas palavras como se fossem uma revelação e fazer depender a própria sorte da sua interpretação. Não há erro mais grave. É verdade que eu não me deixei enganar por ele menos do que tu, e que depositei nele tantas esperanças quantas as desilusões que ele me causou, e que tanto as esperanças como as desilusões se fundavam apenas nas suas palavras, e que logo eram praticamente infundadas.[...] Ele tem acesso às chancelarias ou, se quiseres, a uma antecâmara, seja, é uma antecâmara, mas que tem portas que levam a outros lados, barreiras que quem souber como poderá transpor. Eu, por exemplo, não tenho acesso a esta antecâmara, pelo menos por ora. Não sei com quem Barnabás lá fala, talvez aquele escrivão seja o criado mais subalterno, mas ainda que seja o mais subalterno, poderá conduzir ao seu superior imediato, e se não puder conduzir ao seu superior imediato, poderá pelo menos indicar alguém que possa dizer o seu nome. Aquele que dá pelo nome de Klamm pode não ter nada em comum com o verdadeiro Klamm, a semelhança pode existir apenas aos olhos cegos de aflição de Barnabas, pode ser o funcionário mais subalterno, pode não ser sequer um funcionário, mas alguma missão ele terá naquele púlpito, alguma coisa ele lerá no seu enorme livro, alguma coisa ele sussurrará ao escrivão, alguma coisa ele pensará quando o seu olhar se dirige a Barnabas passado muito tempo, e mesmo que nada disto seja verdade e que ele e os seus actos não tenham qualquer importância, ainda assim foi ali colocado por alguém com uma intenção precisa. Com tudo isto quero dizer que há ali qualquer coisa, qualquer coisa que é oferecida a Barnabas, pelo menos qualquer coisa, e que se Barnabas retira dela apenas dúvidas e medo e desespero é por sua própria culpa. [...] Barnabas precisa de ajuda não de ser encorajado. Pensa bem, lá em cima estão as autoridades na sua grandeza incomensurável - antes de aqui chegar, julgava ter uma ideia aproximada das autoridades, tão infantis eram as minhas concepções - é pois lá em cima que estão as autoridades, e é Barnabas que vai ao seu encontro, ninguém mais, ele apenas, penosamente só, se lá não fica a vida toda desaparecido num canto escuro das chancelarias a tremer já é uma honra demasiado grande para ele. »

                  Franz Kafka, O Castelo, Relógio d´Água Editores, (tr. I.C.S.), 2006, pp. 173-174.              

Kafka, The Thinker, 1913


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

um véu perfumado

"A tua embriaguez é tão doce que me estonteia.
Respiras suavemente. Estás vivo. Gostaria de passar para o teu lado do mundo, de ver nos teus sonhos. Será que sonhas com um amor branco, frágil, distante, tão longe? Com uma infância, com um palácio perdido? Sei que lá não tenho lugar. Que nenhum de nós lá terá lugar. Estás fechado como uma concha. E, no entanto, fácil te seria abrires-te, uma minúscula fenda por onde a vida se precipitaria. Adivinho o teu destino. Permanecerás na luz, serás celebrado, serás rico. O teu nome imenso como uma fortaleza irá esconder-nos da tua sombra. Irá esquecer-se o que aqui viste. Esses instantes irão desaparecer. Até tu esquecerás a minha voz, o corpo que desejaste, os teus tremores, as tuas hesitações. Como eu gostaria de que algo conservasses disso. Que levasses contigo uma parte de mim. Que se transmitisse o meu país distante. Não uma vaga recordação, uma imagem, mas a energia de uma estrela, a sua vibração no escuro. Uma verdade. Sei que os homens são crianças que expulsam o seu desespero com a cólera, e o seu medo para o amor; ao vazio respondem construindo castelos e templos. Agarram-se a historietas, levam-nas à sua frente como estandartes; cada um faz sua história para se ligar à multidão que partilha. São conquistados quando se lhes fala de batalhas, de reis, de elefantes e de seres maravilhosos; quando se lhes narra a felicidade que haverá para além da morte, a luz viva que presidiu ao seu nascimento, os anjos que giram à sua volta, os demónios que os ameaçam, e o amor, o amor, essa promessa de olvido e saciedade. Fala-lhes de tudo isso e hão de amar-te; far-te-ão igual a um deus. Mas, pois que estás aqui encostado a mim, tu saberás, tu, um franco malcheiroso que o acaso trouxe para te pôr ao alcance das minhas mãos, saberás que tudo isso não passa de um véu perfumado que esconde a eterna dor da noite."
Mathias Énard, Fala-lhes de Batalhas, de Reis e de Elefantes, (tradução de Pedro Tamen), D. Quixote, 2013, pp 64-65.   

Smog, Little Girl Shoes


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

esta liberdade

"agora parecia a K. que todas as amarras que o prendiam haviam sido cortadas, que era agora mais livre do que nunca, que podia esperar o tempo que quisesse naquele lugar que lhe era proibido, que lutara por esta liberdade como nenhum outro e que ninguém podia tocá-lo, expulsá-lo, sequer dirigir-lhe a palavra, ao mesmo tempo, porém, não menos forte era a sua convicção de que nada era mais absurdo, mais desesperado, do que esta liberdade, esta espera, esta invulnerabilidade."

                 Franz Kafka, O Castelo, Relógio d´Água Editores, (tr. I.C.S.), 2006, p.102.                         

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Robert Louis Stevenson - John Singer Sargent, (1887)


Por sugestão de Paul Theroux, A Arte da Viagem - Iluminações de Vidas na Estrada, Quetzal, 2012, p.171, onde se pode ler: 
"A despeito de ser fraco e tuberculoso - fantasmagórico no seu retrato de John  Singer Sargent -, Stevenson viajou muito. Principalmente, viajava por causa da sua saúde, procurando tempo clemente para aliviar os pulmões infetados, mas também pelo romance da experiência:
Gostava de me erguer e ir
Aonde crescem as maças douradas."

domingo, 11 de agosto de 2013

para assegurarem uma última felicidade

"«Acho que te compreendo», disse ela e abraçou-o e queria dizer ainda outra coisa mas já não conseguia falar, e porque a poltrona ficava mesmo ao lado, arrastaram-se vacilantes por cima dela e deixaram-se cair na cama. Ali ficaram deitados, mas já não com a entrega daquela noite. Ela procurava qualquer coisa e ele procurava qualquer coisa, furiosamente, rasgando o rosto com caretas, furando com a cabeça o peito do outro, e os abraços e os corpos que arremetiam entre si não os faziam esquecer, antes os lembravam daquela obrigação de procurar, como os cães esgaravatam desesperadamente na terra, também eles esgaravatavam no corpo um do outro e, desiludidos, desamparados, para assegurarem uma última felicidade, por vezes percorriam com a língua o rosto do outro. Só o cansaço os deixou parar e sentirem-se gratos um ao outro. As criadas entraram então, «vejam só estes dois aqui deitados», disse uma delas e por pena tapou-os com um lençol."
                 Franz Kafka, O Castelo, Relógio d´Água Editores, (tr. I.C.S.), 2006, p.48.                           

sábado, 10 de agosto de 2013

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

the exaltation of perversity


"He felt the devil twisting his tail, and pretended it was the angels smiling on him.
 Loc. 5891-92

And then he would put his hand into her bosom and feel her breasts, and kiss them in exaltation, the exaltation of perversity, of being a child when he was a man.
 Loc. 5920-21 
the perverse and literal rendering of “except ye become again as a little child.”
 Loc. 5923-24

When he was out among men, seeking his own ends, and “making good” his colliery workings, he had an almost uncanny shrewdness, hardness, and a straight sharp punch. It was as if his very passivity and prostitution to the Magna Mater gave him insight into material business affairs, and lent him a certain remarkable inhuman force. The wallowing in private emotion, the utter abasement of his manly self, seemed to lend him a second nature, cold, almost visionary, business-clever. In business he was quite inhuman."
Loc. 5928-32

for these industrial masses.


"Money poisons you when you’ve got it, and starves you when you haven’t.
  Loc. 6094


I feel the devil in the air, and he’ll try to get us. Or not the devil, Mammon: which I think, after all, is only the mass-will of people, wanting money and hating life. Anyhow I feel great grasping white hands in the air, wanting to get hold of the throat of anybody who tries to live, to live beyond money, and squeeze the life out. There’s a bad time coming. There’s a bad time coming, boys, there’s a bad time coming! If things go on as they are, there’s nothing lies in the future but death and destruction, for these industrial masses."
Loc. 6097-6101

the little flame


"A man has to fend and fettle for the best, and then trust in something beyond himself You can’t insure against the future, except by really believing in the best bit of you, and in the power beyond it. So I believe in the little flame between us.
 Loc. 6104-6
My soul softly flaps in the little pentecost flame with you, like the peace of fucking. We fucked a flame into being. Even the flowers are fucked into being between the sun and the earth. But it’s a delicate thing, and takes patience and the long pause.
 
John Thomas says good night to lady Jane, a little droopingly, but with a hopeful heart.”"
Loc. 6115-16
                                      D. H. Lawrence, Lady Chatterley's Lover.                                                          

Deep purple, Anthem


Wer war Franz Kafka? (D: Richard Dindo)


em território estranho

"«Meu querido! Meu querido!» murmurava ela, mas não tocava em K., como se desfalecesse de amor deitou-se de costas e estendeu os braços, o tempo não tinha fim agora que encontrara o seu amor feliz, começou não tanto a cantar mas a suspirar uma pequena canção. Depois assustou-se porque K. permanecia em silêncio, perdido nos seus pensamentos, e como uma criança começou a puxá-lo para perto de si: «Vem, aqui em baixo sufocamos», avançaram abraçados alguns passos - aquele corpo miúdo ardia nas mãos de K. - numa espécie de torpor dos sentidos, de que K. tentava constantemente livrar-se mas em vão, bateram surdamente contra a porta de Klamm e deitaram-se depois por entre as pequenas poças de cerveja e todo o lixo que cobria o chão. Passaram aí horas, horas de uma respiração a dois, de um bater de coração a dois, horas em que K. nem por um momento deixou de sentir que se perdia em território estranho ou que aí avançava mais do que qualquer outro homem antes de si, um território tão estranho que o próprio ar não tinha em comum sequer uma partícula com o ar da sua cidade, quem nele errasse morreria asfixiado por esta estranheza, e no entanto não poderia senão avançar, chamado por seduções absurdas, e perder-se cada vez mais. E assim, pelo menos de início, não foi com um susto, mas aliviado como se despertasse, que ouviu uma voz que chegava da sala de Klamm, grave, indiferente e autoritária, e chamava por Frieda."
                 Franz Kafka, O Castelo, relógio d´Água Editores, (tr. I.C.S.), 2006, p.44