domingo, 30 de setembro de 2012

o vazio

Perdi os óculos.
Percorro os espaços prováveis, mas nada. Às vezes é quase como se lá estivessem; quase como se eu os visse nos locais de costume e os agarrasse. Ah, cá estão. Mas esse quase não chega para preencher o vazio que se acaba por encontrar. Quando se perdem pessoas acontece algo semelhante, mas o vazio que se encontra, ao procurá-las, é muito mais profundo, acutilante e doloroso.

Silence

LEONARDO da Vinci, Portrait of Cecilia Gallerani (Lady with an Ermine) 1483-90


GHIRLANDAIO, Domenico, Portrait of Giovanna Tornabuoni, 1488


Am I made of thistles and thorns?


 
(BOTTICELLI, Sandro, Primavera (detalhe) c. 1482)

Por sugestão de Sebastian de Grazia, Machiavelli in Hell, Vintage Books, 1994, p.137, onde se pode ler:

"The Ass, where one finds the richest fantasy of physical womanhood, describes the poet's servitude to Circe's damsel. What does she look like? There are so many beautiful women. Who do we know that looks like her? Who expresses her spirit? Ghirlandaio's Giovanna tornabuoni, Botticelli's "Flora", Leonardo's Lady with an Ermine? Most possible Flora: "a woman full of beauty but fresh and leafy showed herself to me with her tresses blonde and ruffed." Niccolò's madonna, his duchess, his woman, is tall and gentle, with thick, curly, golden hair, the one with fine, arched black lashes and a mouth fashioned by Jove. She takes him by the hand, he abandons himself in her arms, she kisses his face ten times or more. Our hero blushes, feels like a new bride in the sheets alongside her husband, until his damsel taunts him with, "Am I made of thistles and thorns?" and pulls his cold hand under the coverlets and runs it over her body. "Blessed be your beauties / Blessed the hour when I put /foot in the forest... " Wrapped in angelic loveliness and pleasure, he tastes the end of all sweetness "full prostate on her sweet breast."
Long might we dally in this bower of Apuleius, Dante, and Petrarch, but it must not detain us. It is not our poet's only conception of woman. He has some crusty views, too. Take the song at the end of act 3 of Clizia:

The one who offends woman
Wrongly or rightly is mad if he believes
through prayers and weeping to find mercy in her.
As she descends in this mortal life,
with her soul she brings along
pride, haughtiness, and of pardon none;
trickery and cruelty accompany her
and give her such help
that each enterprise increases her desire;
and if contempt bitter and ugly
moves her or jealousy, she acts and handles it:
and her strength exceeds mortal strength

(Sebastian de Grazia, Machiavelli in Hell, Vintage Books, 1994, p.137)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Death Camp Treblinka: Survivor Stories - BBC 2012




Contada pelos seus dois últimos sobreviventes, a história do terrível campo de Treblinka e da revolta dos prisioneiros que aí se deu.

Dois 'fotogramas' retirados do documentário e que ilustram um dos poucos 'trabalhos' que não era feito pelos prisioneiros:


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O livro essencial sobre Treblinka é da escritora Gitta Sereny, Into that Darkness - From Mercy Killing to Mass Murder, Pimlico, 1995 (1ª ed. 1974). 
O livro é construído a partir de 70 horas de entrevistas feitas ao comandante de Treblinka, Franz Stangl, o único comandante de um campo  de extermínio (por oposição a campos mistos - extermínio e trabalho escravo) a ser julgado. Depois de ter sido capturado, em 1968, no Brasil de onde foi extraditado, Stangl foi julgado na Alemanha e condenado a prisão perpétua.

Aqui fica o Epílogo do livro:

"I do not believe that all men are equal, for what we are above all other things is individual and different. But individuality and difference are not only due to the talents we happen to be born with. They depend as much on the extent to which we are allowed to expand in freedom.
There is an as yet ill-defined, little-understood essential core to our being which, given this freedom, comes into its own, almost like birth, and which separates or even liberates us from intrinsic influences, and thereafter determines our moral condut and growth. A moral monster, I believe, is not born, but is produced by interference with this growth. I do not what this core is: mind, spirit, or perhaps a moral force as yet unnamed. But I think that, in the most fundamental sense, the individual personality only exists, is only valid from the moment when it emerges: when, at whatever age (in infancy, if we are lucky), we begin to be in charge of and increasingly responsible for our actions.
Social morality is contingent upon the individual's capacity to make responsible decisions, to make the fundamental choice between right and wrong; this capacity derives from this mysterious core - the very essence of the human person.
This essence, however, cannot come into being or exist in a vacuum. It is deeply vulnerable and profoundly dependet on a climate of life; on freedom in the deepest sense: not license, but freedom to grow: within family, within community within nations, and within human society as a whole. The fact of its existence therefore - the very fact of our existence as valid individuals - is evidence or our interdependence and of our responsability for each other"
Gita Sereny, Into that Darkness - From Mercy Killing to Mass Murder, Pimlico, 1995, p.367.

Gelsomina - Katyna Ranieri em homenagem a Fellini




quinta-feira, 20 de setembro de 2012

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

vijay iyer trio - optimism

uma ária de Merry Widow


Europe was depressed

"E quando os nazis perderam a guerra, os países vencedores organizaram um tribunal internacional e os advogados ponderaram sobre a designação a dar à solução final da questão Judaica e aos vários planos para a exterminação dos Ciganos, Eslavos, etc., e inventaram o termo genocídio. Os historiadores concluíram que, no século vinte, ocorreram cerca de sessenta genocídios, mas nem todos entraram na memória histórica. Os historiadores afirmaram que a memória histórica não era parte da história e que a memória tinha sido transferida da esfera histórica para a esfera psicológica, e isto instituiu um novo modo de memória onde a questão já não era a memória dos acontecimentos mas sim a memória da memória. E a psicologização da memória fez surgir nas pessoas um sentimento de que tinham, de algum modo, uma dívida para com o passado, mas o quê ou a quem não era óbvio. A solução final da questão Judaica foi mais tarde designada de Holocausto ou shoa, porque os judeus afirmaram que não era exactamente genocídio, mas algo que ia além do genocídio, algo que ia além da compreensão humana, e afirmaram que era algo especificamente judeu, e muitas pessoas sentiram que os judeus se estavam a apropriar do genocídio e afirmaram que as vítimas de qualquer genocídio percepcionam a sua experiência como algo que vai além da compreensão humana, e que os judeus estavam a confundir a realidade histórica com a sua representação e logo paradoxalmente ajudaram a garantir a imagem que a maioria das pessoas tem do holocausto ao vê-lo como uma cena dramática retirada de um filme. E alguns rabbis afirmaram que os judeus não tinham morrido nos campos de concentração por acidente ou erro, mas que se tratava da reincarnação das almas que tinham pecado noutras vidas, porque apenas algumas almas permaneceram tementes a Deus e imaculados durante a sua vida na terra. E os historiadores afirmaram que a sociedade Ocidental tinha mudado de uma compreensão tradicional da história como um contínuo de memória para um conceito de memória que é projectado numa descontinuidade histórica. E ainda outros rabbis afirmaram que Deus durante o Holocausto se tinha retirado de cena, mas não era um castigo, como tal, mas sim o retorno da terra ao seu estado original, antes de Deus ter imposto ordem e quando havia trevas sobre a face do abismo. E uma jovem mulher judia sobreviveu à guerra porque na estação do caminho de ferro do campo de concentração de Struthof tocou, no violino, uma ária de Merry Widow. E os historiadores afirmaram que a idade da identidade tinha finalmente chegado ao fim, porque a historiografia tinha entrado na era epistemológica. (32)

Os sexólogos afirmaram que a Barbie foi a primeira ferramenta que serviu para inculcar uma identidade feminina nas meninas, e o seu sucesso provou existência da sexualidade infantil. Depois de se descobrir que as meninas gostariam de ter um filho do seu pai, a sexualidade infantil gerou muita discussão... (46)

E nos anos setenta o número de pessoas com depressão aumentou e no fim do século um em cada cinco europeus estava deprimido. Os sociólogos afirmaram que a neurose e a depressão espelhava a transformação cultural, no século vinte, da sociedade Ocidental. E a neurose espelhava uma sociedade dominada pela disciplina e pela hierarquia e pelos tabus sociais e que era uma expressão patológica do sentido  de culpa. (65)

Depois da guerra, nas cidades os cavalos tornaram-se escassos e o exército e a maioria dos estábulos das cidades fecharam ou foram reconstruídos como jardins de infância porque a arquitectura dos estábulos adequava-se às necessidades dos jardins de infância. (72)

E os médicos americanos recomendavam que as pessoas, para manterem a forma, respirassem ar fresco e praticassem desportos e andassem de bicicleta. A sugestão de andar de bicicleta destinava-se sobretudo aos homens americanos pois a bicicleta era de algum modo inadequada para as mulheres, e os médicos afirmaram que, para uma mulher, uma bicicleta era sobretudo um parceiro sexual e que o esfreganço do celim contra os lábios e o clitóris excitava as mulheres e incitava-as a práticas sexuais perversas. Como forma de prevenção desses comportamentos concebeu-se um celim especial com um furo no meio, mas era bastante desconfortável." (95)

 Patrick Ouředník, Europeana - a Brief History of the Twentieth century, Dalkey Archive Press, 2005. (Tr. dos excertos de LFB)


Um livro que consiste numa visão do século XX lançada no papel como uma catadupa de frases conjuntivas, sem capítulos e sem nenhum tipo de discussão deixa algo a desejar do ponto de vista do rigor e da verdade (nenhuma fonte bibliográfica é apresentada). Mas como exercício literário (talvez seja por isso que o livro está inserido na colecção de literatura oriental europeia) e como apresentação de opiniões e de factos, em 122 páginas, do avassalador século XX não está nada mal. Acrescente-se o humor e a ironia de algumas descrições e tem-se uma visão descontraída desse tempo. E a tradução do checo para o inglês foi premiada!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Dois sonetos


                      VIII
How many masks wear we, and undermasks,
Upon our countenance of soul, and when,
If for self-sport the soul itself unmasks,
Knows it the last mask off and the face plain?
The true mask feels no inside to the mask
But looks out of the mask by co-masked eyes.
Whatever consciousness begins the task
The task's accepted use to sleepness ties.
Like a child frighted by its mirrored faces,
Our souls, that children are, being thought-losing,
Foist otherness upon their seen grimaces
And get a whole world on their forgot causing;
   And, when a thought would unmask our soul's masking,
   Itself goes not unmasked to the unmasking.


                      XVII
My love, and not I, is the egoist.
My love for thee loves itself more than thee;
Ay, more than me, in whom it doth exist,
And makes me live that it may feed on me.
In the country of bridges the bridge is
More real than the shores it doth unsever;
So in our world, all of Relation, this
Is true--that truer is Love than either lover.
This thought therefore comes lightly to Doubt's door--
If we, seeing substance of this world, are not
Mere Intervals, God's Absence and no more,
Hollows in real Consciousness and Thought.
   And if 'tis possible to Thought to bear this fruit,
   Why should it not be possible to Truth?

Fernando Pessoa, 35 Sonnetsaqui.

illiterate in mathematics


 
"(Because of Faraday’s poverty-stricken youth, he was illiterate in mathematics, and as a consequence his notebooks are full not of equations but of hand-drawn diagrams of these lines of force. Ironically, his lack of mathematical training led him to create the beautiful diagrams of lines of force that now can be found in any physics textbook. In science a physical picture is often more important than the mathematics used to describe it.) Historians have speculated on how Faraday was led to his discovery of force fields, one of the most important concepts in all of science. In fact, the sum total of all modern physics is written in the language of Faraday’s fields. In 1831, he made the key breakthrough regarding force fields that changed civilization forever. One day, he was moving a child’s magnet over a coil of wire and he noticed that he was able to generate an electric current in the wire, without ever touching it. This meant that a magnet’s invisible field could push electrons in a wire across empty space, creating a current. Faraday’s “force fields,” which were previously thought to be useless, idle doodlings, were real, material forces that could move objects and generate power. Today the light that you are using to read this page is probably energized by Faraday’s discovery about electromagnetism."

(Michio Kaku, Physics of the Impossible: A Scientific Exploration into the World of Phasers, Force Fields, Teleportation, and Time Travel)


 

 

domingo, 9 de setembro de 2012

Michael Hurley - Sweedeedee



Via Cat Power - The Covers Record

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

The proportions of the human body in the manner of Vitruvius (The Vitruvian Man) c. 1490



"Os estudos posteriores levariam ao seu famoso desenho, O Homem de Vitrúvio, assim chamado a a partir do nome de Vitrúvio, um arquiteto romano do século 1 a.C. que escreveu sobre as proporções do corpo humano e que o desenho de Leonardo pretendia ilustrar. Este desenho insere uma figura humana nua, com as pernas e os braços estendidos, dentro de um círculo e de um quadrado: o quadrado demostra a ideia de Vitrúvio de que a largura dos braços abertos de um homem é igual à sua altura, enquanto o círculo mostra que os braços levantados e as pernas abertas chegam ao limite de um círculo cujo centro é o umbigo do homem. A força e a poesia desta imagem derivam da justaposição da sua humanidade integralmente nua e da abstração das linhas geométricas nas quais ela está inserida. pode ser interpretada como qualquer coisa, desde um emblema da autodescoberta científica da humanidade até à imagem retumbante de um homem indefeso pregado como uma borboleta dentro dos limites do mundo matemático. A cabeça individualizada do homem de Vitrúvio, com as suas madeixas de cabelo abertas ao meio e o seu olhar grave e resoluto, é quase de certeza um autorretrato de Leonardo na meia-idade."

(Paul Strathern, O Artista, O filósofo e o Guerreiro - Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o mundo que eles criaram, Clube do Autor, 2012, p.42)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Jan Havickszoon Steen, The Sacrifice of Iphigenia - 1671/ "a balbúrdia do eu"

Daqui.

Por sugestão de James Wood, A mecânica da Ficção (tr. mui cuidada de Rogério Casanova, Quetzal, 2010) onde se pode ler:

"O filósofo Bernard Williams preocupava-se bastante com a inadequação da filosofia moral. Grande parte dela, na sua opinião, em particular a que provinha de Kant, erradicava a balbúrdia do eu do debate filosófico. A filosofia, considerava, mostrava uma tendência para encarar todos os conflitos como conflitos de opiniões, que podiam ser facilmente resolvidos, e não como conflitos de desejos, que já não se resolvem facilmente. (...)
(...) Williams estava mais interessado no que ele chamava «dilemas trágicos», nos quais alguém é confrontado com duas exigências morais contraditórias, ambas de igual importância. Agamémnon tem de trair as suas tropas ou sacrificar a sua filha; qualquer uma das acções lhe causará vergonha e arrependimento duradouros. Para Williams, a filosofia moral devia prestar atenção ao tecido da vida emocional em vez de definir o eu, em termos kantianos, como tendo princípios estanques, como sendo consistente e universal. Não, disse Williams, as pessoas são inconsistentes; refazem continuamente os seus princípios; e são determinadas por toda uma séria de factores - genéticos, educacionais, sociais, etc.
(...)
Evidentemente, o romance não dá respostas filosóficas (como disse Tchékhov, é suficiente que coloque as questões certas). No entanto, faz aquilo que Williams pretendia que a filosofia moral fizesse - produz a melhor representação possível da complexidade do nosso tecido moral." (192-195)