domingo, 21 de março de 2010

Excerto de entrevista a Alexandre Quintanilha

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Alimentos transgénicos são outro tema do dia...


Todos os alimentos são transgénicos. Não há praticamente nada do que nós comemos hoje em dia que não tenha sido manipulado das formas mais ao acaso. Os vegetais ou carne que nós consumimos foram "melhorados". Não há praticamente animais que não sejam transgénicos. Um purista diria: "Não! Não! Transgénico aplica-se a uma coisa muito específica, a pôr lá um gene". Seria um absurdo dizer que não há risco na produção de plantas ou animais "melhorados" ou transgénicos. Não há nada que não tenha risco. Ele existe mesmo quando se atravessa uma rua para ir tomar um café. A questão é saber quais os riscos que estamos dispostos a aceitar e se há a possibilidade de alguns escolherem esses riscos ou não. Nós não devemos impedir que a informação chegue às pessoas e que elas decidam depois e que tomem os riscos que quiserem. Os riscos devem ser diminuídos mas há quem diga que a grande reacção dos europeus face aos transgénicos se deve ao facto de eles se terem atrasado em relação aos americanos que estão a proteger os seus mercados interiores até desenvolverem os seus próprios transgénicos. É claro que a crítica que os transgénicos foram feitos para darem mais dinheiro às grandes firmas também é verdade. Não se preocuparam em melhorar a qualidade nutricional dos alimentos. Fizeram-se coisas gravíssimas como plantas com genes suicidas que impediam os agricultores de usar as suas sementes e os obrigava a comprar sementes à mesma firma. Isso foi escandaloso. Allgumas empresas funcionam de forma não muito correcta.

Quer dar exemplos?

Não nos esqueçamos de que muito do melhoramento foi feito através da radioactividade, as plantas eram postas ao pé de fontes radioactivas para o número de cromossomas duplicar. Em muitos casos a manipulação genética foi feita à brutamontes. Mas também se fizeram críticas do género "agora metem-se genes dos peixes nas plantas, que coisa horrível" como se os genes tivessem rótulos. O gene é um grupo de moléculas e muitos deles são iguais nos homens, nos peixes, nas plantas. A grande descoberta do genoma foi essa: somos muito parecidos. (...)
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Alexandre Quintanilha, excerto de entrevista retirado de Massada, Jorge, (org.) Vale a Pena ser Cientista? Campo das letras, 2002, pp.42-43.

terça-feira, 16 de março de 2010

domingo, 14 de março de 2010

Estados de espírito

"... é dificil em algumas circunstâncias decidir que opção se deve tomar e qual a que se deve preterir, tal como difícil é decidir o que tem de se suportar em vista do quê. Mas mais difícil ainda é mantermo-nos fiéis às decisões tomadas. Pois, na verdade, acontece o mais das vezes que o que se pode esperar é duvidoso e o que se é obrigado a fazer é vergonhoso."

(Aristóteles, Ética a Nicómaco, (tr. A.C.C.), Quetzal, 2009, p.66-1110a29-35)

domingo, 7 de março de 2010

O JOGO DA CONSPIRAÇÃO

Um amigo meu, depois de ler a entrevista a Wolfgang Wodarg, presidente da Comissão de Saúde do Conselho da Europa, que denuncia a conspiração da gripe A, diz-me não ter caído na conspiração do Iraque, mas agora vacinou-se, e questiona se a partir de agora só haverá lucro com conspirações?
O que se segue é a minha resposta.
O Iraque foi uma conspiração da mesma maneira que a vacina contra a gripe A o é.
Eis algumas regras comuns às teorias da conspiração:
1) nunca estamos na posse de toda a informação relevante nem sabemos bem onde encontrá-la;
2) temos pessoas intelectualmente credíveis do lado da conspiração e do lado da desinformação (há um outro lado quem é o da realidade e tem sempre a ver com vidas e mortes mas que também podem resultar de outras conspirações: no caso da gripe os milhões de mortos da gripe de 1918 e o medo de que qualquer coisa de análogo se repita e nos apanhe; no caso do Iraque, as centenas de milhares de pessoas gaseadas e os milhões de oprimidos e o medo de que qualquer coisa análoga se repita e nos apanhe);
3) a ciência, a política e a ética misturadas e abusadas ao ponto de perderem qualquer credibilidade;
4) a lógica infinita das conspirações: o denunciador da conspiração - no caso o entrevistado - pode ser ele próprio um conspirador e assim sucessivamente;
5) o jeito que as conspirações dão a qualquer um dos lados - os maus tornam-se bons (o vírus e o regime totalitário de Saddam); e os bons tornam-se maus (o combate ao vírus e o combate aos totalitarismos);
6) o inimigo é sempre invisível e ligado à ganância e ao aproveitamento das desgraças dos outros (as companhias farmacêuticas e os interesses ligados com o petróleo e com as guerras);
7) a democracia e a liberdade tornam-se uma ilusão (a OMS e a América tornam-se uma conspiração risível);
8) a implicação assustadora de que todas as nossas referências têm um carácter ilusório e enganador;
9) a Evidência (conspirativa?) de que somos levados pela corrente da verdade contra a falsidade.

Outras conspirações em construção sob a mesma lógica (sugere-se, como jogo, que tome uma posição, siga as regras apresentadas e retire as suas conclusões):
- o aquecimento global afinal é uma conspiração pseudo-científica (um caso curioso de cientistas contra cientistas);
- a crise económica mundial e nacional afinal é uma conspiração (a direita contra a esquerda, por exemplo);
- a fome no mundo afinal é uma conspiração (a desgraça dos outros contra os engraçados);
- a falta de qualidade dos alimentos processados é uma conspiração; (os grandes produtores de alimentos contra os grandes produtores de alimentos)
- eu próprio sou uma conspiração (eu contra mim).

(LFB)

Especialistas Apressados

É impressionante a prontidão com que certos "especialistas" acodem à televisão quando esta se vê aflita para descascar a batata quente que tem em mãos! Um belo exemplo foi o comentário do "psicólogo forense" Carlos Poiares* no Telejornal de hoje (RTP1), onde traçou o perfil psicológico do "violador de Telheiras". Qualquer coisa como: "é um indivíduo anti-social, provavelmente com desvios psicopáticos". O mais grave nem sequer é a banalidade do comentário (imagino a cara de pasmo do espectador: "não é que o violador é anti-social?!"), mas antes o descrédito a que vota a psicologia. Então não é que agora se elaboram perfis psicológicos sem que se cumpra o mais elementar passo desse processo, a avaliação psicológica do sujeito?

*Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Doutorado em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Tema de tese: Análise psicocriminal das drogas: o discurso do legislador.

(DO)

sábado, 6 de março de 2010

"A diversidade dos campos que a prática nos força a distinguir não impede o reconhecimento das suas sobreposições. A diversidade de métodos não compromete em nada o rigor científico. Pelo contrário, é a sua garantia: os problemas não são criados para os métodos mas sim os métodos para os problemas.
A procura da verdade não seria capaz de chegar, em todos os domínios, à mesma espécie de rigor e de exactidão."


Lagache, D. (1978). A Unidade da Psicologia. São Paulo: Edições 70. p. 21.