quinta-feira, 28 de maio de 2009

O processo

"
... A civilização ocidental é composta de comunidades ligadas entre si por um processo político e pelos direitos e deveres do cidadão, nos termos em que este [estes] é definido por aquele processo. É paradoxal o facto de ser a própria existência deste processo político que nos permite viver sem política. Tendo entregue a tarefa da governação a instâncias definidas, ocupadas sucessivamente por indivíduos que estão ao serviço, e não acima, de quem os elegeu, podemos dedicar-nos ao que nos verdadeiramente importa: os interesses privados, os afectos pessoais e os costumes sociais nos quais encontramos satisfação. Ou seja, a política permite separar a sociedade do estado, retirando assim a política da nossa vida privada. Onde não existe processo político não existe esta separação. Num estado totalitário ou numa ditadura militar tudo é político precisamente porque nada é político. Onde não existe processo político, tudo o que acontece diz directamente respeito a quem está no poder, uma vez que tudo representa para este uma ameaça potencial."

(Scruton, Roger, O ocidente e o Resto, Guerra e Paz, tr. V.F.P., 2006, pp.30-31[infelismente, a tradução e a revisão do livro revelam-se fracas])

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Como se percebeu, pela lista das pessoas que votaram a favor e contra a sorte de varas (dos deputados da Terceira só um votou contra - o do Bloco de Esquerda), a discussão não era, afinal, sobre ética animal mas sim mais um episódio do eterno despique entre a Terceira e S.Miguel.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Animais

"Não gostamos de considerar como iguais os animais que por nós foram escravizados."
(Darwin, 1837)

"Todos os animais, excepto o homem, sabem que a principal regra da vida é viver bem (enjoy it) e eles vivem bem tanto quanto o homem e outras circunstâncias o permitem."
(Butler, 1903)

"Quatro pernas bom, duas pernas mau."
"Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que outros."
(Orwell, 1945)

O touro às vezes sofre: a prova?

Nesta coisa de toiros a razão parece ter muito menos peso do que a emoção e isto de ambos os lados da discussão.

Os defensores da introdução da sorte de varas andam no parlamento regional meio escondidos (um está mesmo desaparecido) e sem terem a certeza do que vai realmente acontecer. A pressão económica associada ao ímpeto irracional do turismo não parece ter sido suficiente para convencer a maioria. Folia, dinheiro e tradição nunca se deram bem com a avaliação serena de razões.
Do lado dos amigos dos animais, vejamos a opinião do professor Carlos Enes. Para ele, as touradas à corda são "brincar com os toiros". E é bonito ver o povo. Mas as touradas na praça já são uma barbárie. Pergunto eu, que sou um defensor do vegetarianismo (apesar de nem sempre ser vegetariano): como é que o Exmo. professor prova que o sofrimento total dos touros à corda (incluindo transporte, estacionamento e corrida, por vezes bastante sanguinária como se sabe, embora o sangue não seja, necessariamente prova de sofrimento) é menor do que o provocado nas touradas de praça? E, admitindo que é menor - o que não me parece nada claro - por que é que isso tornaria as touradas de corda eticamente aceitáveis? Não pode ser apenas por tradição. Como sabemos os argumentos baseados na tradição são altamente falaciosos. A escravatura já foi tradição e tivemos que acabar com ela. O incentivo ao consumo de álcool por menores é tradição nos costumes das "nossas gentes", mas teremos que acabar com ele. Simplesmente porque é errado.

(LFB)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Uns gostam do toiro, outros não!

Os argumentos contra a legalização da sorte de varas nas praças de toiros açorianas são, do ponto de vista ético, bastante fracos. Podíamos pensar que é uma questão de impedir o sofrimento e a dor do toiro. Mas vistas as coisas em termos do tempo de vida do animal, é certo que o toiro é dos animais com mais qualidade de vida, no cômputo geral. Pelo que, na relação custos/benefícios, mesmo aceitando que há grande sofrimento durante o tempo em que o toiro está na praça, isso não será suficiente para retirar a dignidade de toda a sua vida. Em prol da coerência, veja-se como outros animais, comparativamente, vivem toda, ou grande parte, da sua vida em grande stress e sofrimento. Muitos deles nem sequer chegam ver a luz do dia uma única vez. Refiro-me à designada indústria das carnes – olhem bem para a falta de qualidade de vida dos porcos, vacas, galinhas, já para não falar nos animais aquáticos, dos circos, das experiências de laboratório... A questão a colocar aos defensores da não introdução da sorte de varas é a de saber se estão prontos a levar os seus argumentos até ao ponto de terem que defender o fim das criações intensivas de animais para alimentação humana (vulgo fábricas de carne), de fechar ou alterar drasticamente os matadouros e talhos e de reflectir sobre a linguagem - essa sim obscena, e nada artística - a eles associada. No fim, trata-se de saber se estão prontos a abandonar o bife e o frango em prol da defesa dos animais. Se estão prontos para isso, então têm muito trabalho pela frente e nesta luta os problemas dos toiros são uma insignificância (a título de exemplo, basta pegar em qualquer manual de ética animal e ver que a questão dos toiros é claramente marginal ou inexistente). Se não querem abandonar o prato de carne – e há boas razões para não o fazerem – então estão metidos numa inconsistência flagrante.
A questão que valeria a pena discutir é a da natureza perversa de um estatuto político que, para além de nos separar cada vez mais de Portugal (como se fosse viável não sermos portugueses), permite a aprovação de qualquer lei com o fundamento do “interesse publico”, seja lá o que isso for. Se é possível introduzir uma coisa que não é tradição nos Açores, então o que não será possível fazer? Enredados nas malhas dos Media - basicamente um instrumento de propaganda do governo, veja-se como a questão do estatuto e agora a dos toiros foram usadas para distrair e não avaliar as políticas desastrosas de César na saúde e na educação, só para falar em duas áreas– os defensores do bem-estar total do toiro não parecem estar genuinamente interessados em discutir o sofrimento animal e as suas implicações nem em discutir a governação invisível de César e o totalitarismo impune resultante de um estatuto duvidoso que permite desrespeitar a Constituição e as leis gerais da República com a maior das facilidades.
Que fique claro que a argumentação para a introdução da sorte de varas não é, do meu ponto de vista, melhor. É populista e impõe rotundas com toiros monumentais que quase ninguém pediu mas que todos vamos pagar, e é sectária com colóquios e conferências onde não se vislumbra uma única voz contra. Mas, pelo menos, não é inconsistente.
A questão fica então resumida a uma posição subjectiva: uns gostam de toiros, outros não; saber quem está de que lado, não é fácil. Eu não gosto particularmente de touradas, mas já vi touradas à corda picadas na ilha Terceira, e são tradição! Choca-me, contudo, muito mais toda a linguagem obscena da alimentação e indústria carnívoras e o tratamento violento dados a esses animais e a forma como tudo isto é quase natural e universalmente aceite.

(LFB)