quarta-feira, 22 de abril de 2009

Os filósofos e o nazismo (2)

"Salvo raras excepções, os filósofos académicos têm tido pouco que dizer sobre o holocausto. Houve um tempo em que considerei isso um ultraje. Como é que uma disciplina que examina os valores e as aspirações humanas pode ignorar um dos mais significantes - senão o mais significante - acontecimento do século? Desdenhamos correctamente os cientistas e professores que na Alemanha continuaram os seus estudos cercados por algum do mais demoníaco mal alguma vez imaginado. Como é que os podemos criticar se a comunidade filosófica actual não vê nada no holocausto que valha a penas discutir? A não ser que defendamos a tese duvidosa de que a filosofia não tem nada que ver com as circunstâncias históricas nas quais é feita, temos que perguntar como é que os acontecimentos na Alemanha forçam um reexame das categorias filosóficas." (...)

Kenneth Seeskin, "What Philosophy Can and Cannot Say about evil", in Morgan (ed.) A Holocaust Reader, O.U.P., pp.321-322, (Tr. LFB)

domingo, 19 de abril de 2009

Os filósofos e o nazismo (1)


Jonathan Glover, Humanity – A moral History of the Twentieth Century, Yale U.P., 2001
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O caso Martin Heidegger
Martin Heidegger que descobriu em si próprio a missão de re-acordar as pessoas para a compreensão do Ser, foi o mais famoso filósofo a apoiar os nazis. O seu entusiasmo foi muito mais além do conformismo; as suas aulas e conferências incluíam a saudação nazi. Ele foi contra a influência judaica na vida cultural alemã: em 1929 escreveu, “ou voltamos a encher a nossa vida espiritual com forças e educadores nativos genuínos ou então rendemo-nos de uma vez por todas à Judaicização crescente “(…).
O interesse pelo lado corporal do Ser ia muito mais além de fazer o pino. Quando Karl Jaspers lhe perguntou: “Como pode um homem tão ordinário como Hitler governar a Alemanha?” Heidegger respondeu, “A cultura não tem importância. Olha só para as suas maravilhosas mãos.”
(367-8)
Uma nota sobre Gottlob Frege
(…) [Frege foi outro dos filósofos que acreditou no anti-semitismo.] (…) Frege tinha as coisas na sua mente muito bem separadas. Quando pensava sobre filosofia e lógica, não ligava a convencionalismos. Destruía-os através de argumentos e construía alternativas racionalmente fundamentadas. Quando pensava sobre a sociedade e sobre a política, aceitava de forma acrítica os piores e os mais convencionais preconceitos do seu lugar e do seu tempo.
Existe a esperança de que o hábito filosófico de expor certas afirmações ao pensamento claro e racional torne mais difícil a sobrevivência de preconceitos e de crenças injustificadas. A história de Frege é, para aqueles de nós que têm esta esperança, um desânimo. Ela mostra como mesmo um trabalho soberbo na filosofia pode deixar o resto do pensamento de uma pessoa intocável. A aceitação acrítica de um conjunto de crenças religiosas não impede a obtenção de prémios e distinções na Biologia molecular ou na Química. A Filosofia, feita ao estilo de Frege, torna-se também uma matéria técnica entre outras.
Muita da Filosofia Ocidental recente tem sido dividida em tradição “analítica” que teria começado com Frege, e tradição “continental” que teria começado, pelo menos em parte, com Heidegger (os nomes, de forma absurda, contrastam um método de pensamento com uma localização geográfica). As histórias de Heidegger e de Frege são uma caricatura hostil das duas tradições: uma cheia de retórica intelectual e sonante a condição humana, mas incapaz de colocar criticamente questões ao nazismo; a outra cheia de análise lógica, mas mantida separada de todo e qualquer importância humana.
Os erros de Heidegger têm sido repetidos muitas vezes. Dado o mérito de Frege como filósofo, o seu falhanço frente ao nazismo é mais perturbador. Nenhum filósofo seguiu as suas visões políticas. Alguns dos seus seguidores, como Michael Dummett, expressaram repugnância pelo seu pensamento político. Todavia, na filosofia actual, existe alguma pressão para tratar a filosofia de forma compartimentada, tal como Frege fazia.

Não é mau que algumas pessoas o façam. Existem muitas formas de fazer Filosofia e nem toda a gente pode pensar em todos os assuntos. Há espaço para filósofos especializados em questões altamente abstractas e com um domínio restrito. Todavia, seria uma perda se isto se tornasse a norma. Tal coisa impediria a Filosofia de criar dificuldades à crendice.
(376-378)

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Tradução e adaptação de LFB. Excertos retirados de Glover, J., Humanity – A moral History of the Twentieth Century, Yale U.P., 2001